A rede da minha
infância
A rede da minha infância balança,
Com a mesma leveza
de quando a minha única preocupação,
era saber se Capitu traiu ou não Bentinho.
Ou por que diabos
Quincas Borbas,
tinha um cachorro com o nome igual ao seu.
Balança
... como balançam
os finos galhos do pé de carambola do meu quintal
Que se confundiam
com o meu corpo magro
Quando o vento
passava e eu ameaçava cair
A rede da minha
infância num dia cinza balança
Fecho os olhos e
sinto o cheiro da estrada de barro
A terra molhada;
A corrida até o
mangue;
Os trovões que
anunciavam os caranguejos
A gente corria
pra mergulhar na lagoa
e esperar o sol,
como quem espera a vida chegar
Sentar e aguardar
o momento em que o verde era do jeito exato dos nossos sonhos
E tentar pintar o
que víamos,
pra que essa imagem não mudasse nunca
mas sempre mudava
e continuava igual.
A rede da minha
infância me traz histórias de tios
Do contato com os
peixes,
Das dificuldades
vividas,
Das quedas do pé
de cajueiro
Das mangas
pisadas
Da casa das sete
janelas
Que eu nunca
morei, mas era também minha.
A rede balança
Traz
e
leva memórias...
fala de sonhos
Tem a inquietação
de poetas desassossegados
A rede balança
junto com os anos
junto às
bicicletas que me derrubaram
deixando cicatrizes
em meu corpo
cicatrizes que a
vida também me deu
Penso em tudo que
me constitui
tudo que começou
numa casa de barro,
pintada de
branco, rodeada por flores
rodeada por
sonhos...
onde eu sentava
pra ouvir as filosofias da minha vó
que continuam
fazendo o mesmo sentido, mesmo depois que ela se foi
Sabedoria essa
que nenhuma Universidade me ensinou
O que ela diria
se pudesse ver o que hoje eu sou?
Tomaríamos um chá
Faríamos alguma
comida com abacate
E andaríamos pelo
jardim
A rede balança e
tem som de música
O som dos passos
da casa cheia pro forró que acontecia tendo as árvores como teto
Abraços e beijos
que não cabem em palavras
A rede balança
e eu adormeço
Minha mãe guarda o livro que seguro nas mãos
Tenho lembranças
Que não balançam meu chão.
Cíntia Maria