domingo, 29 de junho de 2014

Eu sei o som que toca seu coração

Você me diz: ‘Você é a única pessoa no mundo que me fala coisas bonitas’
Como não dizê-las, pra alguém que é feito de amor?
Até o silêncio é bom perto de ti
Até a dor se torna suportável
Eu penso em você
e penso coisas bonitas
Algo como flores e músicas boas
Ainda que nem sempre a vida legal
Somos presenteados com a nossa temporada de flores
                 e dias de sol a pino
A gente pode ver o mar
E se sentir melhor
E eu sei que tenho alguém pra quem correr quando chove
 e a luz se apaga
Eu sei o som que toca o seu coração
A gente pode chorar num abraço
                e rir das coisas duras e pesadas.
Até troco meu analista por você,
Porque a gente se entende num olhar;
Num toque;
Num sorriso.
Eu sinto seu afeto e orgulho por mim
Você me deixa imensamente feliz.
Há dias em que a gente se rasga em um ciúme silencioso,
quando os amores nos machucam
Quando alguém nos corta.
Há dias que eu quero você só pra mim
Aí eu seguro o Id e lembro-me de dividi-lo
Você me tem mais que qualquer outro nesse mundo
E quase morro quando você deseja uma caixa de vidro pra me guardar,
                pra me cuidar de perto.
Mas o processo é simples:
cuide de você e você estará cuidando de mim.
Porque ao amar a gente existe
Eu existo com você.


[Cíntia Maria]
Jogo no time dos isolados
Dos que, talvez, por conta própria escolheram a solidão
Que nascem com uma marca e a chamam de vazio
Andam em direções contrárias
Não crêem em Deus
Choram em dias ensolarados
Desconhecem as danças,
as festas
e os amores...
Jogo no time dos desiludidos
Dos que apanham
Que são cortados
Que gritam por dentro
E que não tem paz
e que não tem par
Jogo no time dos esquecidos
Dos pretos
Pobres e marginalizados
Que vivem na lama como sururu
Que fedem
E não agradam
Jogo no time das minorias
Dos desfavorecidos
Desempregados
Humilhados
e subalternos  
Jogo no time dos descamisados
Subnutridos
Infelizes
Quem caminham sem volta
Que não vivem
Apenas existem


Cíntia Maria
A rede da minha infância



A rede da minha infância balança,
Com a mesma leveza
 de quando a minha única preocupação,
 era saber se Capitu traiu ou não Bentinho.
Ou por que diabos Quincas Borbas,
 tinha um cachorro com o nome igual ao seu.
Balança
... como balançam os finos galhos do pé de carambola do meu quintal
Que se confundiam com o meu corpo magro
Quando o vento passava e eu ameaçava cair
A rede da minha infância num dia cinza balança
Fecho os olhos e sinto o cheiro da estrada de barro
A terra molhada;
A corrida até o mangue;
Os trovões que anunciavam os caranguejos
A gente corria pra mergulhar na lagoa
e esperar o sol, como quem espera a vida chegar
Sentar e aguardar o momento em que o verde era do jeito exato dos nossos sonhos
E tentar pintar o que víamos,
 pra que essa imagem não mudasse nunca
mas sempre mudava e continuava igual.
A rede da minha infância me traz histórias de tios
Do contato com os peixes,
Das dificuldades vividas,
Das quedas do pé de cajueiro
Das mangas pisadas
Da casa das sete janelas
Que eu nunca morei, mas era também minha.
A rede balança
Traz
                                               e leva memórias...
fala de sonhos
Tem a inquietação de poetas desassossegados
A rede balança junto com os anos
junto às bicicletas que me derrubaram
deixando cicatrizes em meu corpo
cicatrizes que a vida também me deu
Penso em tudo que me constitui
tudo que começou numa casa de barro,
pintada de branco, rodeada por flores
rodeada por sonhos...
onde eu sentava pra ouvir as filosofias da minha vó
que continuam fazendo o mesmo sentido, mesmo depois que ela se foi
Sabedoria essa que nenhuma Universidade me ensinou
O que ela diria se pudesse ver o que hoje eu sou?
Tomaríamos um chá
Faríamos alguma comida com abacate
E andaríamos pelo jardim
A rede balança e tem som de música
O som dos passos da casa cheia pro forró que acontecia tendo as árvores como teto
Abraços e beijos que não cabem em palavras
A rede balança
e eu adormeço
Minha mãe guarda o livro que seguro nas mãos
Tenho lembranças
Que não balançam meu chão.


               Cíntia Maria

Abandono

( Nighthawks - Edward Hopper) Há um tempo a poesia me abandonou Talvez na mesma esquina em que me perdi de mim Entre ruas escuras e c...