Vejo crianças brincando no mar e lembro de um tempo em que eu não conseguia definir que cor eu tinha
pois eu era da cor que o sol pintava
Minhas ambições eram pequenas
eu ouvia o silêncio
e a música cantada pela natureza
E olhava o mundo pela parede do meu quarto sem janelas rabiscadas por giz
Rabiscadas de imaginações e desejos
Hoje eu fecho os olhos e lembro da fruta roxa
Que eu não sabia o nome
Mas com a minha avó eu ia buscar no mato
Na época em que meu maior sonho não era um diploma de universidade
Nem carro de motor
Nem rodas sob os pés
Era ter uma pequena loja de barcos e marcar no relógio a hora da garça passar pra dormir
Como o Poeta "eu era feliz e ninguém estava morto"
E assim os dias seguiam sob o balanço do mar
Eu não queria andar de avião
nem ir a Paris
Eu só queria saber se Capitu traiu Bentinho
Se amanhã iria chover
e que horas meu pai chegaria com rosas e chocolate
Hoje não encontro lugar pra estar só
as palavras ditas não encontram compreensão
Os ouvidos não me ouvem
e penso no por do sol laranja
e como o barulho deixa a gente casmurro
e pergunto porquê a poesia me abandonou
Penso na minha avó na porta de casa
Fixa como a cruz na porta da tabacaria que nunca visitei
Como uma lembrança sumindo na memória
Sentidos dissipados pela vida
Um corpo que ganha medidas na medida em que meu cachorro envelhece com olhos de amor a me olhar
As telas cansam meus emaranhados pensamentos
Sinto falta da tela viva nunca igual
Ando ao lado dos excessos
que uma senhora a meia luz me pergunta de quê
Não encontro resposta
Mas encontro ainda como os caras barbudos da banda de rock
Fé e coragem no amor
Encontro desejos que aparecem em sonhos
Que tem voz de criança nascendo
Que tem começo
Que é doce como a fruta roxa colhida com a minha avó.
Cíntia Maria Silva