domingo, 4 de dezembro de 2016

Quero vê-la chegando contra a minha vontade
Buzinando em meu portão o amor que diz sentir
Entre lágrimas o abraço falará por nós
Tudo ficará bem
Quero vê-la chegando contra a minha vontade
Sentada na grama a cantar
Onde não haverá dor ou mágoa
E um sorriso irá se confundir com a alegria dos pássaros
Quero vê-la chegando contra a minha vontade
Enquanto escolho um sapato pra sair
Limparei os olhos
E bagunçarei o cabelo
Pedirei que vá embora
Desejando que ela jamais escute
Ela me negará partida
Haverá luz em seus olhos
Acreditarei em uma relação onde não sou objeto
Enquanto as garças pescam
E os peixes pulam
Quero vê-la chegando contra a minha vontade
Enquanto olha na parede meu violão que um dia batizou
E nos meu quarto todos os livros que não lhe interessam
reclama da poeira
 da temperatura
Ou da minha forma de olhar
Quero vê-la chegando contra a minha vontade 
    quando seu cheiro ficará em meu corpo
E o meu coração começará a dançar
   em compasso acelerado
Quero vê-la desmarcando compromissos só pra me ouvir
 ainda que nada possa fazer com a minha dor
Saberei que ela se faz presente
Que nada é unilateral nem o fim e nem o começo
Quero vê-la chegando contra a minha vontade,
 mas ela não vem
Guardo os sapatos
Tiro a poeira dos livros
Relembro os compromissos
Enxugo as lágrimas
Há no espelho um rosto que não reconheço
Quis vê-la chegando contra a minha vontade,
 mas a noite chegou
As garças foram dormir
Ninguém chegará contra vontade
Nem pela vontade
Levanto para ver o mar
Sento-me na areia
Com ou sem a minha vontade o Universo se reorganiza
Há vida
Há luz
Respiro o ar por um pulmão que adoecia
A minha vontade não muda o curso das coisas
Seguem-se os dias
As lembranças vão ficando leves
Um dia o peito não mais irá sangrar
Sem esperas alguém chegará ainda que nada se possa pedir
Chegando contra a minha vontade vem a dor e a paz
Amanhã será um novo dia
Sem esperas ou explicações
Contento-me com o não dito
Não quero mais vê-la chegando contra a minha vontade
E respiro agora o silêncio de um fim.

[Cíntia Maria]
Muitas vezes somos vítimas de violência (física e verbal), traições, desrespeito, falta de consideração, desamor, ausência de cuidado e - incrivelmente - nos sentimos culpados. Chegamos a pensar que se não tivéssemos dito tal coisa a pessoa teria feito diferente, se tivessemos ido a um lugar diferente, se tivessemos insistido em algo ou não, se não estivéssemos usando tal roupa. Sentimos peso e culpa, quando na verdade deveríamos nos envergonhar pelo outro que não nos respeita, que nos viola, que não nos considera, que não pensa nas ações que podem nos afetar. Existe muito falso amor travestido de violência, egoísmo, arrogância e maldade. Ainda que isso nos afete por um tempo, jamais devemos deixar que essas pessoas roubem nossa paz, nossa serenidade, nosso verdadeiro "eu". Quem ama respeita, quem ama não sente prazer em ver suas lágrimas (só se for de emoção), quem ama pensa em você antes de agir com atitudes infantis, desrespeitosas e sente orgulho de você. Quem ama rompe com você antes de fazer qualquer atitude que leve ao seu sofrimento e não tenta te culpar pelos próprios erros se colocando como vítima do que não merece ouvir quando se merece ouvir. Mas que toda lição que a vida nos prega sirva sempre de exemplo (ainda que doloroso) de maturidade, de conhecimento e de evolução mental ou espiritual. O verdadeiro amor sempre se mostra. O bem sempre encontrará o bem. O seu coração sempre se conectará a corações semelhantes. Que possamos viver para além das relações líquidas as relações verdadeiras e reais. As relações que não se descartam e que não são movidas pelo egocentrismo. A vida sempre terá um buraco na frente e invariavelmente cairemos nele. É importante levantar, cuidar dos ferimentos e seguir. 

[Cíntia Maria]

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( Nighthawks - Edward Hopper) Há um tempo a poesia me abandonou Talvez na mesma esquina em que me perdi de mim Entre ruas escuras e c...