terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Não sei o que de fato ela é minha,
   mas sei que não sou poeta
    e em vão tanto dizer que a amo como Saramago amou Pilar
Ela especialista na arte de amar e não conhece Saramago,
mas deita em meu ombro pra ouvir
     só que hoje não quero falar
Beijo seu rosto e
digo num silêncio sem palavras que ela é minha casa
Que é a responsável por não me deixar morrer
Que vivi tudo que vivi pra chegar até seus lábios
As palavras não saem e escondo meu rosto em seus cabelos para que ela não veja as lágrimas que ousam cair
Não sei o que de fato ela é minha,
  mas estou com ela essa noite
E estarei amanhã quando acordar
Seus braços ainda estarão me envolvendo
     em forma de arco
Sua perna em minha barriga
E seu rosto em meu pescoço...
Direi que amo?
Que quero chamar sua mãe de sogra?
Que pensei pra nós um filho que espero que pareça com ela?
Não direi nada!
Olho seu rosto dormindo e me pergunto: como alguém pode ser ainda mais bonita assim?
Não sei o que de fato ela é minha,
    mas a amo em atropelos
Em crises de ciúmes nos bares da rua
Em pedidos desesperados
Em poemas de Drummond e textos de Vinicius
A amo quando em sonhos ela me aparece
Ou mesmo acordada quando não sei diferenciar
Não sei o que de fato ela é minha,
     mas no seu semblante o amor se personifica
Conto os dias com ela como quem escreve num diário uma aventura com final marcado
O desespero toma conta do meu corpo
Talvez ela não me queira amanhã
Direi tranquilamente que não me faltarão mulheres,
 mas as palavras de Saramago povoam a minha mente
'Se eu não tivesse conhecido ela?'
Não se trata de quantidade
Abraço seu corpo magrinho e ofereço tudo que ela quer
Não sei o que de fato ela é minha,
   mas talvez pra ela eu seja uma descoberta
Um amparo numa tempestade
No meu ouvido ela diz que sou seu maior segredo
Não sei dizer se isso é bom ou ruim
O dia clareia e eu estou com muito sono,
   mas ela já vem dançante com os meus sapatos
'Você precisa ir'
Penso em pedir uma garantia que nos veremos em outra semana
Ela não tem!
Seu porteiro já me conhece,
      talvez o único
Viro o rosto para não cumprimentá-lo
Sento para ver o mar
Lembro dos seus cuidados e seus carinhos
Das suas lágrimas de amor
Das nossas aventuras em um parque velho no Centro da Cidade
     e o sorriso me toma ao lembrar da sua voz;
Do seu corpo;
  da sua inteligência
e em vão tento quantificar o amor
Os pronomes possessivos  não a encantam
Meu amor
             Minha paz
Meu sonho
Não sei do que chamá-la
O mar não me deu respostas
Nem aquele senhor que me analisa a meia luz
Continuo sem saber de fato o que ela é minha
Talvez a minha maior escola
  e a melhor coisa que já me aconteceu.

[Cíntia Maria]

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( Nighthawks - Edward Hopper) Há um tempo a poesia me abandonou Talvez na mesma esquina em que me perdi de mim Entre ruas escuras e c...