segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

A moça parada na praça

A moça parada na praça pensa na vida
                               cansada
Apena existe
Carrega pesos,
Ilusões e uma marmita fria
Chora o salário que ainda não chegou
E sente-se só em multidões

A moça parada na praça pensa nos filhos
Os que nasceram e os que estão por vir
Calcula o tempo, o espaço, o amor,
a inflação, a gasolina
o que gastou
O que tem
       e o que gostaria de ter...

A moça parada na praça é triste
Não escuta os pássaros,
não sente o balançar das árvores
Em festas alegras é
Silenciosa,
Mas carrega no peito um carnaval


A moça parada na praça divide comigo um sorriso
É colorida,
mas vive a vida em preto e branco
há marcas em seu corpo, há dor em seus olhos
o sol lhe levou alguns anos
seu intervalo já acabou,
mas na vida e na praça a moça permanece parada.


Cíntia Maria

domingo, 16 de novembro de 2014

Barro,
                                                 chuva,
    Periferia...
Onde se escondem todos quando o céu chora?
Portas fechadas
Ruas vazias de silêncio e cheias de lodo
A linha do trem, que olhas as casas,
                                                 me acompanha.
Lá em cima, barracos ameaçam cair
O cinza se confunde com a tristeza de quem olha pro céu
                                                 mas não vê nada...
Se ao menos pudéssemos saber onde Deus está.
Um Bebedouro verde olha a Chã que sofre
Vidas vivendo em limites
Pés descalços de meninos que correm desafiando as leis da natureza
Uma mãe que grita lá de dentro: ‘menino, tu vai se resfriar’.
Com uma mão segura um terço, pede benção da Virgem Maria:
Santa Mãe, rogai por nós.
A outra faz o sinal da cruz e pede que não levem seu barraco
Mas ninguém parece ouvir
Se ao menos pudéssemos saber onde Deus está.
Hoje o trem não passou com o seu apito estridente
Hoje a gente velha se debruça na janela
Espera o sol que sempre vem
Mas por dentro permanecem cinzas
Há ausência de sonhos,
de planos
e de pão...
A chuva desce o morro
E não há onde se esconder
dessa lama que nos cobre.


Cíntia Maria

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Luz
Nas noites em que o sono se vai
Procuramos em vão onde começam os erros
Silêncios de paredes brancas
Lugares cheios de vazios
E a luz que permanece acesa pra nos proteger de nós mesmos
Um galo canta e atravessa o nada
fazendo-se presença aos que permanecem sozinhos
com medo encolhidos na cama
O sono não faz visita
O peito aperta
O ar falta
Olho para o teto
Não há nada a fazer
Espero a passagem das horas como quem espera a morte
já cansada de ter vivido
Como quem a idade levou a cor dos cabelos e enrugou o rosto
Minhas costas doem
E meu corpo é feito de cansaço
As roupas não se seguram em mim
Tenho leituras desassossegadas
A vida é composta de ciclos
Mas minha roda parou
Não há mais planos
Não há metas
Os dias seguem cinzas
As palavras foram levadas com o vento
Há dor em cada respiração
As horas são feitas de angustias
E a única luz que me ilumina é artificial.
[Cíntia Maria]

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Perdas e ganhos

Num jogo de perdas e ganhos
Ganha quem perde o prazer em sofrer 

[Cíntia Maria!]



domingo, 29 de junho de 2014

Eu sei o som que toca seu coração

Você me diz: ‘Você é a única pessoa no mundo que me fala coisas bonitas’
Como não dizê-las, pra alguém que é feito de amor?
Até o silêncio é bom perto de ti
Até a dor se torna suportável
Eu penso em você
e penso coisas bonitas
Algo como flores e músicas boas
Ainda que nem sempre a vida legal
Somos presenteados com a nossa temporada de flores
                 e dias de sol a pino
A gente pode ver o mar
E se sentir melhor
E eu sei que tenho alguém pra quem correr quando chove
 e a luz se apaga
Eu sei o som que toca o seu coração
A gente pode chorar num abraço
                e rir das coisas duras e pesadas.
Até troco meu analista por você,
Porque a gente se entende num olhar;
Num toque;
Num sorriso.
Eu sinto seu afeto e orgulho por mim
Você me deixa imensamente feliz.
Há dias em que a gente se rasga em um ciúme silencioso,
quando os amores nos machucam
Quando alguém nos corta.
Há dias que eu quero você só pra mim
Aí eu seguro o Id e lembro-me de dividi-lo
Você me tem mais que qualquer outro nesse mundo
E quase morro quando você deseja uma caixa de vidro pra me guardar,
                pra me cuidar de perto.
Mas o processo é simples:
cuide de você e você estará cuidando de mim.
Porque ao amar a gente existe
Eu existo com você.


[Cíntia Maria]
Jogo no time dos isolados
Dos que, talvez, por conta própria escolheram a solidão
Que nascem com uma marca e a chamam de vazio
Andam em direções contrárias
Não crêem em Deus
Choram em dias ensolarados
Desconhecem as danças,
as festas
e os amores...
Jogo no time dos desiludidos
Dos que apanham
Que são cortados
Que gritam por dentro
E que não tem paz
e que não tem par
Jogo no time dos esquecidos
Dos pretos
Pobres e marginalizados
Que vivem na lama como sururu
Que fedem
E não agradam
Jogo no time das minorias
Dos desfavorecidos
Desempregados
Humilhados
e subalternos  
Jogo no time dos descamisados
Subnutridos
Infelizes
Quem caminham sem volta
Que não vivem
Apenas existem


Cíntia Maria
A rede da minha infância



A rede da minha infância balança,
Com a mesma leveza
 de quando a minha única preocupação,
 era saber se Capitu traiu ou não Bentinho.
Ou por que diabos Quincas Borbas,
 tinha um cachorro com o nome igual ao seu.
Balança
... como balançam os finos galhos do pé de carambola do meu quintal
Que se confundiam com o meu corpo magro
Quando o vento passava e eu ameaçava cair
A rede da minha infância num dia cinza balança
Fecho os olhos e sinto o cheiro da estrada de barro
A terra molhada;
A corrida até o mangue;
Os trovões que anunciavam os caranguejos
A gente corria pra mergulhar na lagoa
e esperar o sol, como quem espera a vida chegar
Sentar e aguardar o momento em que o verde era do jeito exato dos nossos sonhos
E tentar pintar o que víamos,
 pra que essa imagem não mudasse nunca
mas sempre mudava e continuava igual.
A rede da minha infância me traz histórias de tios
Do contato com os peixes,
Das dificuldades vividas,
Das quedas do pé de cajueiro
Das mangas pisadas
Da casa das sete janelas
Que eu nunca morei, mas era também minha.
A rede balança
Traz
                                               e leva memórias...
fala de sonhos
Tem a inquietação de poetas desassossegados
A rede balança junto com os anos
junto às bicicletas que me derrubaram
deixando cicatrizes em meu corpo
cicatrizes que a vida também me deu
Penso em tudo que me constitui
tudo que começou numa casa de barro,
pintada de branco, rodeada por flores
rodeada por sonhos...
onde eu sentava pra ouvir as filosofias da minha vó
que continuam fazendo o mesmo sentido, mesmo depois que ela se foi
Sabedoria essa que nenhuma Universidade me ensinou
O que ela diria se pudesse ver o que hoje eu sou?
Tomaríamos um chá
Faríamos alguma comida com abacate
E andaríamos pelo jardim
A rede balança e tem som de música
O som dos passos da casa cheia pro forró que acontecia tendo as árvores como teto
Abraços e beijos que não cabem em palavras
A rede balança
e eu adormeço
Minha mãe guarda o livro que seguro nas mãos
Tenho lembranças
Que não balançam meu chão.


               Cíntia Maria

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Há dias!

Há dias em que chorar não resolve,
Nem ligar pro analista,
Pedir colo da mãe
ou brigar com a namorada.
Há dias em que não adianta beber,
Nem discutir com os vizinhos,
Colocar música depressiva
ou acabar na balada.
Reclamar da sorte
Chamar por Deus
Nem pensar na morte.
Há dias em que ninguém interessa
Que tudo está errado,
De nada serve ler Drummond
Ou ligar pro melhor amigo.
A angústia aparece sem nome,
sem forma e sem cheiro
Não é ninguém e é todo mundo
Os pensamentos não se completam
A respiração é ofegante.
Há dias em que os sonhos são pesadelos
Que você não sabe aonde ir
que o pijama se converte em uniforme
e a febre queima os lábios.
Há dias em que o violão não tem som
e o silencio é ensurdecedor.
de nada adianta ver o mar,
a gente não se acompanha...
Há dias em que de nada serve ser quem somos
e que tudo é uma farsa
de nada serve que peguem em sua mão
ou prometam que não vão te largar
Há dias em que a gente se perde
mesmo sem nunca ter se encontrado
Há dias que não são dias...
que a vontade é vagar sem rumo
nem nome e sem volta.


[Cíntia Maria]

Abandono

( Nighthawks - Edward Hopper) Há um tempo a poesia me abandonou Talvez na mesma esquina em que me perdi de mim Entre ruas escuras e c...